Depois da tormenta a bonança: O que fazer depois de uma manutenção corretiva
Retomamos aqui a história do último post “Saindo da tormenta que é uma manutenção corretiva“.
Primeiro vamos recapitular o que ocorreu até agora.
Você é o gerente responsável por toda uma unidade industrial (planta) no interior do país. Responde ao diretor da empresa. Seus subordinados diretos são um grupo de quatro supervisores. Antônio, José Carlos, Lourdes e Luís. Eles são os responsáveis respectivamente pela operação, manutenção mecânica e elétrica, segurança, saúde e meio ambiente (SSMA) e suprimentos.
A planta é composta de dois pavilhões, os prédios A e B. Eles são interligados por dois transportadores de correia, denominados 1 e 2, dispostos em sequência. Entre os transportadores há uma casa de transferência convencional.
Há três dias, a noite, te telefonaram para falar que a planta estava parada. Uma manutenção corretiva (não esperada, não programada e potencialmente longa) era tudo o que você, sua equipe e a empresa não precisavam neste momento.
A causa da manutenção corretiva? Uma falha no fornecimento de energia elétrica causou outra falha no sistema de controle dos transportadores de correia. O transportador 2 parou de imediato, mas o 1 rodou alguns bons segundos. Isto fez com que a casa de transferência ficasse cheia de material. Ela estava praticamente soterrada.
Não se sabia ainda qual causa fundamental que ocasionou a falha no fornecimento de energia.
Você decidiu ir à planta para acompanhar a equipe, e orientá-la se necessário, na solução do problema.
Chegando lá você presenciou uma pequena discussão inicial entre dois dos supervisores. Após interromper esta discussão, você e eles definiram as diversas frentes de serviço e seus responsáveis. Então colocaram a mão na massa para retomar a operação da planta.
O que aconteceu nos últimos três dias
Hoje é a manhã do terceiro dia após a noite em que a planta parou. O que ocorreu nestes três dias:
- A planta ficou parada em manutenção corretiva cerca de 48 horas. Ela voltou a produzir na noite da antevéspera. Ou seja, já está operando a pouco mais de um dia.
- A limpeza da casa de transferência demandou cerca de 20 horas, ou seja, 4 horas a menos que a estimativa inicial.
- Os equipamentos da casa de transferência tiveram seus sistemas de lubrificação contaminados e parte da estrutura amassada pelo peso do material que transbordou e soterrou a casa. Ou seja, a análise do José Carlos e sua equipe, sobre as possíveis avarias, estava correta. Os reparos demandaram mais 25 horas.
- Foram encontrados alguns pequenos problemas em outros pontos da planta. Eles foram resolvidos de forma relativamente fácil em paralelo à frente de trabalho na casa de transferência.
- Após os reparos, foram necessárias 3 horas (finais) para testes e ajustes necessários antes da planta para rodar.
- Ocorreu um acidente, por sorte nada grave e sem afastamento.
- A causa fundamental, que ocasionou a falha elétrica e tudo o que veio na sequencia, foi determinada. Uma causa peculiar, na falta de outra palavra.
Conversando sobre lições aprendidas
Você convocou uma reunião com os quatro supervisores. Você e eles sabiam que haviam lições a serem aprendidas com o ocorrido.
Intencionalmente houve um dia de intervalo entre o final da manutenção corretiva e esta reunião. Assim, a equipe pode colocar as coisas em ordem, ou seja, retomar as rotinas e fazer as análises necessárias.
A conversa seria na sala de reuniões próxima a sala de controle da planta. A sala tinha uma mesa redonda, com muitos anos rodados, de oito lugares, dos quais seis estavam ocupados. Além de você e dos quatro supervisores, um dos técnicos eletricistas que trabalhava com José Carlos (manutenção) estava presente.
O nome dele era Getúlio e, além de participar das discussões técnicas, ficaria responsável pela ata de reunião. Ele era metódico e registraria sistematicamente os responsáveis e prazos de todas as ações que fossem definidas aqui.
Você abriu a reunião cumprimentando todo mundo. Repassou os tópicos que vocês discutiriam e que já haviam sido divulgados na convocação da reunião. Chamou atenção também para a duração prevista para a reunião. No máximo uma hora.
11º. Na procura da causa fundamental
XXX-Vamos primeiro falar sobre a causa da parada. Tenho umas perguntas que eu gostaria que vocês respondessem, ok?
Então você perguntou:
XXX– Na noite da parada fui informado que o transportador 2 parou de imediato, com a falha no fornecimento de energia elétrica, e que o transportador 1 continuou rodando e assim soterrou a casa de transferência. Foi isto mesmo que aconteceu?
José Carlos respondeu:
XXX– Sim. Lembre-se, o transportador 1 é levemente descendente. Quando falta energia, o freio dele deve atuar de imediato, mais isto não ocorreu. Assim, ele rodou por inércia alguns segundos a mais que o transportador 2.
XXX– Por que o freio não funcionou?
XXX– Mecanicamente o freio está ok, – continuou José Carlos. – Checamos o sistema de controle também. Tudo indica que a falha na energia elétrica também ocasionou uma falha no programa de controle do transportador 1 e o freio não foi acionado.
XXX– Já sabemos qual foi a causa da falha na energia elétrica? – Você perguntou olhando para Antônio (operação) e José Carlos.
XXX– Conforme eu e o Zé combinamos no dia, eu chequei isto, – falou Antônio olhando para o José Carlos, que assentiu.
XXX– Primeiro fomos à subestação e detectamos que um dos disjuntores dela havia desarmado.
Para os leitores que não são da área elétrica cabe aqui algumas poucas explicações. A subestação é aonde a energia elétrica, que vem da rede externa, é recebida e então distribuída para as diversas áreas e equipamentos da planta.
O que é um disjuntor? Considere que é um grande interruptor que, na nossa história, foi desligado ou desarmado.
XXX– Então checamos no sistema de controle de planta e verificamos que o disjuntor desarmou porque houve um curto circuito num dos painéis da subestação. Inspecionamos os painéis da subestação e encontramos a causa.
Antônio e José Carlos não conseguiram disfarçar a cara de que estavam se divertindo com aquilo. Como você estava curioso, decidiu morder a isca e perguntou:
XXX– Qual foi a causa?
XXX– Um ratinho. – Falou então José Carlos. Nem ele nem Antônio disfarçavam o riso pelo inusitado da situação.
XXX– Parece que ele entrou em dos painéis, por uma fresta no fundo. Andando dentro do painel ele fechou o curto. Encontramos ele morto dentro do painel, – falou Antônio.
O que é um painel (elétrico)? Imagine armários metálicos do tamanho de um guarda-roupa com equipamentos elétricos dentro. Numa subestação costumam ser instalados diversos painéis.
José Carlos colocou sobre a mesa duas fotos impressas em papel A4 comum. Nelas era possível ver o tal ratinho. Com uma das pernas dianteiras e uma das traseiras coladas em dois contatos diferentes dentro do painel. Óbvio que ele estava esturricado, na falta de outra palavra (rsrsrs).
XXX– Como ele entrou ali? Dentro do painel? – Perguntei.
XXX– O painel tem aberturas de ventilação no fundo, provavelmente foi por lá que ele entrou, – retomou o assunto Antônio.
XXX– E na subestação?
XXX– Estamos avaliando ainda, – agora foi José Carlos que falou. – As portas do prédio da subestação estão sempre fechadas e trancadas. É procedimento de segurança. Assim, é pouco provável que o ele tenha entrado por ela.
XXX– Porém o prédio da subestação tem algumas pequenas aberturas para ventilação, – José Carlos continuou. – Originalmente estas aberturas tinham telas para impedir a entrada de ratos e outros animais pequenos. Estamos inspecionando todas elas. Já encontramos duas delas furadas. Achamos que esta é a causa fundamental da manutenção corretiva.
Causa fundamental ou causa raiz é a causa que, uma vez bloqueada, impedirá a reincidência do problema. É a causa que deve ser procurada numa manutenção corretiva. Uma técnica para determinar a causa fundamental é os “5 Porquês”. Ela consiste em se perguntar 5 vezes o porque um problema, sempre relacionado a causa anterior. Esta foi a técnica que você usou! Releia este item e verifique.
12º. Para o problema não se repetir
“Um ratinho…” você pensou. Riu consigo mesmo e então perguntou:
XXX– Como vamos lidar com este problema?
XXX– Estamos pensado em fazer o seguinte: – Falou José Carlos. – Primeiro, vamos substituir todas as telas furadas ou já desgastadas. Isto deve ser concluído ainda nesta semana.
XXX– Segundo, vamos fazer uma desratização na subestação. Como existem questões de segurança e saúde envolvidas, a Lourdes está responsável por isto.
Lourdes (SSMA) olhou para Luís (suprimentos) e então falou:
XXX– O Luís está contratando este serviço. Devemos fazer isto na próxima semana. Conversei com o Luís e estamos aproveitando a contratação para fazer a desratização em outras áreas também.
Luís assentiu. Então Getúlio, o técnico eletricista, falou:
XXX– Nossa intenção é testar repelentes eletrônicos para ratos também. Existem alguns que funcionam com ultrassom. Se eles forem eficientes, quem sabe no futuro poderemos deixar de fazer a desratização ou ,pelo menos, reduzir a frequência delas?
XXX– Parece que vocês cobriram todos os aspectos do problema, mas como vamos integrar isto com os nossos processos e procedimentos de manutenção? – Você perguntou.
José Carlos então falou de novo:
XXX– Estamos revisando nossos procedimentos de inspeção da subestação para incluir as telas.
XXX– Estamos também revisando nossos procedimentos de manutenção preventiva para incluirmos a desratização periódica. Em paralelo pretendemos testar o repelente eletrônico que o Getúlio sugeriu.
XXX– Tão logo estes procedimentos estejam revisados faremos um treinamento com toda a equipe.
XXX– Temos prazo para isto? – Você perguntou.
XXX– Os procedimentos, até final deste mês, – respondeu José Carlos. – Eu estou responsável pela revisão e treinamentos. O Getúlio ficará responsável pelo teste do repelente eletrônico. Estimamos três meses de teste.
Os responsáveis e prazos estavam definidos, você então decidiu seguir em frente.
13º. E as lições aprendidas para a segurança?
XXX– Lourdes, me fale sobre o acidente que tivemos durante a manutenção corretiva, – você falou.
XXX– Foi durante a remoção do material da casa de transferência.
José Carlos então interrompeu:
XXX– Se a Lourdes permitir eu gostaria de descrever como ocorreu o acidente.
Lourdes assentiu com a cabeça e José Carlos começou a descrever.
XXX– Quando estávamos removendo o material da casa de transferência se formou uma lama no piso da casa de transferência. A lama se formou devido à umidade que o material ainda tem quando está nos transportadores. Uma dos operadores escorregou na lama e caiu sentado no chão. Durante a queda, o braço dele tocou a estrutura amassada de um dos equipamentos e ele teve um pequeno corte.
Lourdes retomou a fala:
XXX– Foi um corte realmente pequeno, não foram necessários pontos e a vacina antitetânica do operador está em dia. Ele voltou ao trabalho no dia seguinte.
XXX– Você sabe que temos a análise previa de risco, – falou Lourdes, – a qual sempre fazemos antes de cada manutenção. Pois bem, estamos revisando ela para incluir um item sobre risco de escorregões. O pessoal da manutenção está trabalhando conosco nisso.
XXX– E quando isto ficará pronto?
XXX– Até o final desta semana, – falou Lourdes. – O treinamento de reciclagem no procedimento de análise prévia de risco será feita a partir da próxima semana. Em até duas semanas todos estarão treinados.
As ações tomadas pela Lourdes e José Carlos te pareceram muito adequadas, você decidiu seguir em frente.
14º. Vamos compartilhar as lições aprendidas?
XXX– Pessoal, tomamos um belo susto com esta manutenção corretiva, – você falou. – Pelo que conversamos hoje também aprendemos uma série de lições importantes. Importantes não só para nós, mas para a empresa como um todo.
Você fez uma pausa e depois continuou:
XXX– É importante divulgarmos estas lições para as outras plantas da empresa. Assim, elas têm a chance de bloquearem este tipo de problema antes que ele ocorra.
XXX– Vamos preparar um relatório curto, três páginas no máximo, com uma descrição do ocorrido e das lições aprendidas. Pretendo divulgar isto para os meus pares, ou seja, para os gerentes das outras plantas. Isto será proveitoso para toda e empresa. É também será uma demonstração da maturidade e competência com que lidamos com a situação.
Olhou para os cinco e falou:
XXX– Zé, você prepara este relatório e envie para a Lourdes, Antônio e Luís comentarem? Após incluir os comentários deles, você me envia o relatório, ok? Lembre-se, no máximo três páginas, senão o pessoal não lê.
Todos assentiram.
15º. É possível minimizar as perdas?
Você então passou para o último item da pauta de reunião, e falou:
XXX– Fiquei muito satisfeito com a maneira como lidamos com a manutenção, mas o fato é que perdemos dois dias de produção. Antônio, qual será o reflexo disso na produção do mês e do ano?
XXX– Estive avaliando. Devemos perder cerca de 7% da produção do mês e 0,6% da produção do ano. Obviamente se não tivermos outro imprevisto.
XXX– Percentualmente a perda é pequena, mas o valor agregado dela é significativo, – você falou. – Vocês pensaram em como podemos recuperar isto, mesmo que parcialmente, dentro deste ano? Eu tenho algumas ideias, mas quero ouvir vocês primeiros.
Antônio falou novamente.
XXX– Eu e o Zé andamos conversando sobre isto. Daqui para o final do ano ainda temos quatro paradas de linha da planta programadas e…
Linhas da planta? Lembre-se que a planta é constituída de dois pavilhões, prédios A e B. Dentro deles os equipamentos de produção estão distribuídos em duas linhas paralelas que operam simultaneamente. É procedimento usual na manutenção programada, parar uma das linhas enquanto a outra continua a operar.
XXX– … estamos em dezembro, – continuou a falar José Carlos. – A próxima parada de manutenção de toda a planta será em janeiro, ou seja, no próximo ano. Sugerimos aumentar a duração da parada “geral” de janeiro de dois para três dias. Assim, postergamos duas das paradas de linha de dezembro e depois as “encaixamos” no terceiro dia da manutenção de janeiro.
XXX– Mas com isto só vamos minimizar as perdas? – você perguntou. – Quero dizer, não vamos eliminar as perdas, só minimizá-las?
XXX– Sim, – falou Antônio. – Só minimizar.
Você refletiu um pouco sobre os riscos… Na sua opinião, os riscos valiam a pena. Então falou:
XXX– Estou de acordo, vamos fazer assim. Adiamos as duas das paradas de linha de dezembro para a parada geral de janeiro. Revisem o programa de manutenções do próximo ano, por favor.
XXX– Faremos isto até o final desta semana, – falou José Carlos.
Para finalizar a reunião e o post (rsrsrs)
Para finalizar a reunião, você pediu ao Getúlio que lesse a ata da reunião. Todos escutaram com atenção, especialmente as ações a serem tomadas, seus responsáveis e prazos. Você então agradeceu a todos e finalizou a reunião.
Na sequência você telefonaria para o diretor, Heitor. Acreditava que ele concordaria com todas as ações tomadas e pouco acrescentaria ao que foi decidido.
Você refletiu que apesar do incômodo que foi aquela manutenção corretiva, você e sua equipe aproveitaram a oportunidade de tirar dela todas as lições possíveis. Isto tornaria a operação daquela planta cada vez mais robusta.
Gostou da história? Você já viveu algo semelhante numa manutenção corretiva? Das coisas descritas neste post, e nos dois anteriores, o que você já fez e o que você nunca fez? Reflita sobre isto.
Ficou curioso sobre causa fundamental, ou causa raiz? Em breve publicarei um post sobre o assunto.
Até lá.
O final foi muito interessante, ao mostrar que um simples furo na tela de proteção, por onde entrou um ratinho…rsrsrs…pode causar um problema tão difícil e prejuízos a empresa. Foi muito eficiente na busca das causas e assim com a troca das telas de proteção e a desratização prevenir que problemas similares ocorram.